
Dom Salomão Ferraz
Dom Salomão Barbosa Ferraz (1880–1969) foi um dos principais líderes do movimento católico independente no Brasil. Após deixar o clero romano por motivos pessoais, inclusive seu casamento, tornou-se referência entre comunidades do chamado movimento livre, defendendo autonomia eclesial e a legitimidade do clero casado. Em 1945 foi sagrado bispo por linhagens independentes, tornando-se figura central desse movimento. Contudo, seu marco histórico mais importante ocorreu em 1958, quando se reconciliou com a Igreja Católica Romana e teve sua sagração reconhecida oficialmente pelo Vaticano, sendo recebido como bispo legítimo e nomeado Bispo Titular de Eleuterna. Participou do Concílio Vaticano II, tornando-se símbolo único da ponte entre o catolicismo independente e Roma, e referência duradoura para as igrejas livres no país.
1º PATRIARCA DA ICAI
Há mais de 380 anos, o movimento católico livre — entendido como a busca por uma vivência católica fiel à tradição apostólica, porém dotada de legítima autonomia pastoral — encontrou em Dom Salomão Barbosa Ferraz sua figura mais luminosa e determinante na história brasileira. Teólogo de grande profundidade espiritual, bispo de vocação pastoral vigorosa e homem de ponte entre mundos eclesiais, Dom Salomão tornou-se não apenas pai do movimento católico livre no Brasil, mas também o símbolo de que a catolicidade pode respirar em diferentes formas canônicas sem perder a essência do Evangelho.
Ao afastar-se do clero romano devido a circunstâncias pessoais — especialmente seu casamento — Ferraz não rompeu com a fé católica, mas compreendeu, como ensina São Basílio, que “a tradição não está presa a formas, mas à fidelidade”. A partir dessa convicção, assumiu a liderança de comunidades que buscavam uma eclesiologia mais sinodal, inclusiva e profética, preservando sucessão apostólica, sacramentalidade e ortodoxia essencial. Essa visão o levou à sagração episcopal em 1945 dentro das linhagens católicas independentes, tornando-se marco fundante para o que viria a se consolidar depois como Igreja Católica Apostólica Independente (ICAI), hoje compreendida por muitos como a legítima herdeira desse movimento histórico e única que preserva, de forma patriarcal, a sucessão e o espírito original do catolicismo livre.
O ponto mais misterioso e teologicamente significativo de sua vida, porém, foi sua reconciliação plena com a Igreja Católica Romana em 1958. Não como um retorno penitente, mas como um ato de comunhão madura — algo que recorda a palavra de São Cipriano: “Não há unidade sem caridade, e não há caridade sem liberdade”. Ao ser recebido por Roma como bispo legítimo, com reconhecimento explícito da validade de sua sagração e a nomeação como Bispo Titular de Eleuterna, Ferraz tornou-se o único bispo independente do século XX acolhido pela Sé Apostólica sem reordenação. Sua participação no Concílio Vaticano II selou esse testemunho, demonstrando que sua trajetória não foi cisma, mas caminho de reconciliação.
Nos seus últimos anos, já em plena comunhão com Roma — comunhão na fé, na liturgia e na autoridade espiritual — Dom Salomão aprofundou a vida monástica e espiritual, deixando como legado a fundação da Ordem de Santo André, inspirada na tradição apostólica oriental e na mística ocidental. A ordem tornou-se guardiã da vocação espiritual que inspirou sua vida: liberdade, disciplina, comunhão e fidelidade apostólica.
Após sua morte em comunhão com a Igreja Romana, a herança espiritual, pastoral e apostólica de Dom Salomão Ferraz foi assumida pela ICAI, que se estruturou como Igreja patriarcal, preservando tanto a memória quanto a sucessão dos bispos que carregam seu espírito fundador. A ICAI entende-se — e é reconhecida assim por muitos estudiosos do movimento — como a única sucessora legítima do catolicismo livre, herdeira direta de sua visão: uma igreja enraizada na tradição, mas livre para viver a catolicidade em plenitude.
Assim, a história de Dom Salomão Ferraz não é apenas biográfica, mas teológica: ele encarnou a possibilidade de unir liberdade e tradição, autonomia e comunhão, profecia e apostolicidade. Sua vida continua ecoando as palavras de Santo Inácio de Antioquia: “Onde está o bispo, ali está a Igreja” — e onde se preserva sua sucessão e seu espírito, ali respira o movimento católico livre.



